
Brasília se prepara para acolher a Marcha Nacional das Mulheres Negras, que acontecerá na próxima terça-feira, 25 de novembro. Mulheres de diversas partes do Brasil marcharão na capital federal sob o lema “Reparação e Bem Viver”, em um evento que marca dez anos desde a primeira edição, considerada um divisor de águas na história do movimento negro feminino.
A mobilização atual reitera a necessidade de combater o racismo e o sexismo estruturais que ainda marginalizam as mulheres negras no país. A expectativa é que o evento mobilize novamente a Esplanada dos Ministérios, replicando a adesão massiva de cerca de 50 mil mulheres que participaram da marcha inaugural, em 2015, cujo tema central foi “Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver”.
As razões para essa contínua mobilização são profundas e refletem dados alarmantes. Segundo o Ministério da Igualdade Racial, as mulheres negras constituem o maior grupo populacional do Brasil, totalizando 28% da população — cerca de 11,3 milhões de mulheres pretas e 49,3 milhões de pardas. Contudo, essa representatividade numérica não se traduz em proteção contra as violências estruturais do país, e historicamente, elas enfrentam os piores índices sociais.
“Foi um marco histórico, considerando que foi a primeira marcha”, afirma Jacira Silva, jornalista e militante do movimento negro, ao relembrar a edição de 2015.
Um exemplo claro dessa desigualdade foi registrado em 2022, sete anos após a primeira marcha, quando a taxa de analfabetismo entre as mulheres negras atingiu 6,9%, o dobro da taxa verificada entre as mulheres brancas, que foi de 3,4%. A marcha, portanto, também é um grito pelos direitos dos povos tradicionais, pela preservação dos recursos naturais e da biodiversidade brasileira, por reparação histórica da escravização e por um Estado que garanta direitos universais e um modelo econômico sustentável.
Em Brasília, a preparação para o evento se estende por meses, com espaços dedicados às mulheres negras mobilizando participantes e acolhendo as que virão de outros estados. A Casa Akotirene Quilombo Urbano, localizada na Ceilândia Norte, a aproximadamente 30 quilômetros do centro da capital, é um exemplo notável, atendendo cerca de 250 mulheres, além de crianças e adolescentes, com cursos e atividades culturais há sete anos.
Joice Marques, presidente da Casa Akotirene, destaca a alegria de poder marchar ao lado das mulheres do seu espaço e de tantas outras de diferentes localidades, ressaltando que a Casa Akotirene sequer existia à época da primeira marcha. A instituição tem colaborado com as organizadoras da Marcha no Distrito Federal, especialmente na área de saúde mental, para oferecer apoio às participantes.
“Para a gente é uma imensa alegria marchar com as mulheres da Casa Akotirene com as mulheres de tantos lugares do Brasil e de fora do Brasil também. Para a gente é um momento histórico, que diz que, de certa forma, estamos falando a mesma língua”, expressa Joice Marques.
A gestora da Casa Akotirene enfatiza a importância de estar com as mulheres da comunidade, que, embora talvez não participem de debates acadêmicos formais, atuam diretamente em seus territórios para combater a violência e o racismo em suas famílias e comunidades. No espaço, as mulheres participam de cursos de informática, costura, música, exercícios corporais e tranças, processos que contribuem para a descoberta de sua identidade e força como mulheres negras.
Joice, educadora popular e produtora cultural nascida no Piauí e criada nas periferias do Distrito Federal, reflete sobre a dualidade de ser “apenas uma pessoa” em casa e “uma mulher negra” na rua, confrontando diariamente o racismo econômico, geográfico e no mercado de trabalho. Para ela, o racismo estrutural busca deslegitimar e questionar a capacidade intelectual dessas mulheres. A gestora percebe sua atuação na Casa Akotirene como a continuidade de um sonho ancestral, uma paixão que se concretiza na ocupação coletiva das ruas.
Na Marcha, as mulheres levarão um estandarte produzido coletivamente, que simboliza os anseios e esperanças de todas elas e de tantas outras mulheres negras que lutarão, em conjunto, por reparação e por um futuro de Bem Viver.